terça-feira, 19 de maio de 2015

Olá pessoal! Hoje estarei continuando o tópico da influência da cultura suméria na escrita da bíblia, desta vez com a parte 3 e última. Se você ainda não leu as partes 1 e 2 volte nas antigas postagens.


A INFLUÊNCIA DA CULTURA SUMÉRIA NA ESCRITA DA BÍBLIA (PARTE 3)


A CÓPIA DO NASCIMENTO DE MOISÉS


                  No tópico sobre o dilúvio havia citado sobre a hipótese de a bíblia ter sido escrita, ou pelo menos ter seus escritos revisados e alterados muito tempo depois de Moisés, durante o cativeiro babilônico, por volta de 598 a.C, sendo esta hipótese bastante provável. Particularmente defendo esta hipótese, bem como diversos historiadores e arqueólogos.
                  Em 2.370 a.C, ao norte da Suméria, nascia Sargão, o Grande, filho de semitas, foi um grande conquistador de terras, empreendeu uma série impressionante de campanhas militares e conquistou o todo o norte da Suméria, tendo sido considerado um grande herói por seu povo, que ficaram conhecidos como acadianos, tendo Sargão fundado a capital de Agade e se tornado rei. Bom, e o que isso tem a ver com Moisés?? O que tem a ver é que a história de nascimento de Sargão é igual à história de nascimento de Moisés. Segue abaixo:

“Sargão, o poderoso rei, rei da Acádia, eu sou. [...] Minha mãe, a alta sacerdotisa, concebeu-me, e deu-me à luz em segredo. Ela colocou-me em um CESTO DE JUNCOS, e SELOU A TAMPA COM BETUME. Ela COLOCOU-ME NO RIO que não me submergiu. O rio levou-me a Akki, o tirador de água. Akki, o tirador de água, ergueu-me ao mergulhar seu balde. Akki, o tirador de água, tomou-me como seu filho e criou-me. Akki, o tirador de água, colocou-me como seu jardineiro.”

Agora, a de Moisés:

"Não podendo, porém, mais escondê-lo, tomou uma CESTA DE JUNCOS, e a REVESTIU COM BARRO E BETUME; e, pondo nela o menino, a pôs nos juncos À MARGEM DO RIO.
E sua irmã postou-se de longe, para saber o que lhe havia de acontecer.
E a filha de Faraó desceu a lavar-se no rio, e as suas donzelas passeavam, pela margem do rio; e ela viu a arca no meio dos juncos, e enviou a sua criada, que a tomou.
E abrindo-a, viu ao menino e eis que o menino chorava; e moveu-se de compaixão dele, e disse: Dos meninos dos hebreus é este. Então disse sua irmã à filha de Faraó: Irei chamar uma ama das hebréias, que crie este menino para ti?
E a filha de Faraó disse-lhe: Vai. Foi, pois, a moça, e chamou a mãe do menino.
Então lhe disse a filha de Faraó: Leva este menino, e cria-mo; eu te darei teu salário. E a mulher tomou o menino, e criou-o.
E, quando o menino já era grande, ela o trouxe à filha de Faraó, a qual o adotou; e chamou-lhe Moisés, e disse: Porque das águas o tenho tirado”. Êxodo 2:3-10.

                   Seria muita coincidência a história de nascimento de Moisés ser igual à de Sargão. O que os historiadores e arqueólogos defendem é que, assim como a história de Gilgamesh e o dilúvio, entre as outras tantas aqui mostradas, a história de Sargão também foi de influência para os Hebreus em seus escritos durante o cativeiro babilônico. Essa hipótese é bastante provável por conta das histórias serem quase cópias, é como se eles estivessem com as tábuas escritas à sua disposição para fazerem as cópias, pois caso contrário, se fosse apenas mero conhecimento dos contos, a história do dilúvio ou até mesmo a de Moisés poderiam ter diversas alterações de palavras, mas não é o que se vê, a história do dilúvio é quase que uma cópia, bem como a de Moisés ou a do surgimento do homem, como é percebido através das marcações em negrito (veja parte 1 e parte 2).

            Provavelmente os Hebreus devem ter ficado encantados com as histórias de grandes conquistas por parte de Sargão, que era tido como um grande herói por seu povo e a partir daí resolveram criar um herói/mito para seu povo, que foi Moisés. A falta de registros históricos de Moisés fora da bíblia complica bastante pra saber se ele existiu realmente. Se os hebreus realmente chegaram a ser escravos no Egito, provavelmente fugiram durante a invasão dos hicsos ao Egito, que coincide mais ou menos ao período em que os hebreus estavam por lá, por volta de 2000 – 1580 a.C. Os arqueólogos já encontraram diversas referências aos hicsos no Egito, mas nenhuma referência a Moisés e abertura do Mar Vermelho, feito que com certeza seria relatado pelos egípcios se realmente tivesse ocorrido. Muitos historiadores defendem que os hebreus devem ter se instaurado nas localidades após o êxodo de forma pacífica e não conquistando as terras através de guerras, como é narrado na bíblia. Talvez os hebreus ficaram encantados com os feitos de Sargão, suas conquistas através de guerras e resolveram colocar Moisés também como um grande conquistador. A falta de registros históricos para os feitos de Moisés corrobora com essa ideia, ainda mais tendo copiado a sua forma de nascimento de Sargão, que viveu 1.000 anos antes de Moisés. Alguns historiadores ainda afirmam que lugares informados durante o êxodo sequer existiam quando da fuga do Egito e que na época do cativeiro babilônico já eram lugares conhecidos, o que atesta que a história foi escrita e inventada muito depois do acontecimento.

Estatueta de Sargão da Acádia

Estela de Sargão, O Grande




Dando encerramento ao tema, divulgo aqui mais alguns sites com informações complementares:


Site da arqueóloga Márcia Jamile especialista em antigo Egito:  http://arqueologiaegipcia.com.br/2011/04/24/exodo-hebreu-no-egito-aconteceu-ou-nao/

Mais sobre Sargão:

Entendendo mais sobre o cativeiro babilônico, resumo:

A Epopeia de Gilgamesh completa em pdf:

Site com diversos contos sumérios:


Indico ainda a coleção História em Revista da Editora Abril: A aurora da humanidade e a era dos reis divinos.


No próximo tema abordarei a evolução humana em uma perspectiva mais longa no tempo, voltando a origem do primeiro primata, poucos milhões de anos após a extinção K-T, distribuição geográfica e migrações, quando havia no mundo três espécies de hominídeos contemporâneas, a ascensão do Homo Sapiens e as divisões étnicas com as migrações. 

domingo, 10 de maio de 2015

Olá pessoal! No post de hoje vou dar sequência ao tema da influência da cultura suméria na escrita da bíblia. Se você não leu o post anterior, volte para a parte 1.


A INFLUÊNCIA DA CULTURA SUMÉRIA NA ESCRITA DA BÍBLIA (PARTE 2)


VISÃO COSMOGÔNICA ANTIGA


Por milênios a forma do nosso planeta sempre foi um mistério. Diversos filósofos do passado passaram anos das suas vidas tentando decifrar como seria o formato da Terra. Primeiramente, tinha-se a ideia de que a terra era circular e plana e que o sol e as estrelas giravam em torno de uma terra fixa. Já por volta de 525 a.C, Anaximenes, diante de diversas observações, pelo fato das estrelas da parte Norte do céu contornarem apenas um círculo, disse que o sol e as estrelas não se põem abaixo da terra, como se acreditava até então e que ao invés disso elas faziam uma curva em determinado ângulo e que nós não veríamos por serem ocultadas pela parte mais alta da Terra na direção Norte. (observe na figura mais abaixo). Os leitores conseguem perceber o grau de dificuldade que os estudiosos do passado tinham?? Perceba que Anaximenes foi inteligente ao perceber os movimentos dos corpos celestes e afirmar que estes não giravam em torno da terra, porém errou na sua conclusão. Ele apenas havia tentado achar uma alternativa para encaixar nas suas observações.
O formato da Terra e sua movimentação correta só foi desvendada entre 1500 e 1600 diante dos trabalhos de Copérnico e Kepler. Giordano Bruno, um filósofo da mesma época, foi mais além e dizia que as estrelas que víamos no céu “abrigaria” outros sistemas planetários, assim como o nosso Sol. Giordano Bruno foi queimado em praça pública pela igreja católica e a Inquisição, no ano de 1600, em Roma, por conta de suas ideias. Sabemos hoje, após o lançamento da sonda Kepler, da existência dos diversos sistemas planetários em volta das estrelas, que não podemos observar em decorrência da distância.

O formato da Terra por Anaximenes


Em diversos debates Ciência X Religião é possível observar constantemente religiosos afirmando que a bíblia, por ter sido escrita por homens inspirados por Deus, já trazia o planeta Terra em seu formato correto. Mais de mil anos de estudos por parte de filósofos e astrônomos seria em vão então, porque a bíblia já mostrava corretamente o formato da terra, bastando lê-la. Bem, então vamos ler a bíblia, analisar a cultura suméria e demonstrar aqui a chamada “Visão Cosmogônica Antiga”.
Os antigos contos sumérios também foram inspiração para os escritos do Gênesis com relação a criação da terra. Antes de aprofundarmos na correlação entre os contos e o Gênesis é necessário entender primeiro como os povos da época achavam que era o nosso planeta. Vamos aqui abandonar todo o conhecimento científico adquirido por nós com relação à visão de nosso planeta e vamos nos adentrar na cabeça de uma pessoa que viveu há mais de 3.000 anos a.C. Observe ou imagine a terra de uma montanha alta ou observe toda uma costa litoral. Como você acha que seria a terra? Não me venha com essa de que o povo achava que a terra era quadrada, isso é mito, observe atentamente... bom, para mim e para os povos da época a terra pareceria circular plana, isso mesmo, a terra seria para eles análoga a uma pizza, na qual o céu seria como uma tampa ou como eles mesmo definiam, uma “abóbada celeste” e todo o resto seria água, inclusive as águas sempre existiram e a terra teria sido criada no meio das águas. Conseguiu compreender essa visão de planeta terra e “universo aquático” atentamente? Se conseguiu, então vamos aos contos e ao Gênesis.

A imagem acima mostra como era a visão cosmogônica antiga. Os babilônicos também foram influenciados pela cultura Suméria, assim como Acadianos. Os conquistadores absorviam a forte cultura local da Suméria.

Um dos contos sumérios encontrados pelos arqueólogos sobre a criação do nosso planeta é o chamado “Enuma Elish”. Durante todo o texto há algumas confusões entre os deuses. No decorrer do mesmo, o deus Marduk derrota a deusa Tiamat, deusa das águas primordiais, e a partir do corpo da mesma cria a terra. Segue abaixo apenas alguns trechos, no qual faremos a correlação com o Gênesis:

“Ele, as águas doces, o iniciador da criação, e Tiamat, as águas salgadas, e útero do universo, quando não existiam os deuses...quando os deuses não tinham nome, natureza ou futuro, então a partir de Apsu e Tiamat, nas águas dele e dela, foram criados os deuses, e para dentro das águas precipitou-se a terra...
 ...Ele voltou para onde Tiamat jazia acorrentada, ele abriu as pernas da deusa e espatifou seu crânio (pois a clava não tinha misericórdia), ele cortou as artérias e o sangue dela jorrou na direção do Vento Norte para os confins desconhecidos do Mundo Físico.
Quando os deuses viram tudo isto, eles riram alto e mandaram presentes a Marduk. Eles mandaram ao jovem herói tributos agradecidos.
O jovem deus descansou. Ele olhou para o corpo amplo de Tiamat, ponderando sobre como usá-lo, o que criar da carcassa morta. Ele abriu o corpo de Tiamat em dois, com a primeira metade, a superior, ele construiu o arco dos céus, ele empurrou para baixo uma barra e fez uma sentinela para as águas, de forma que estas jamais pudessem escapar.”

Olhando desatentamente talvez não percebamos qualquer correlação com o Gênesis, mas vamos então ao Gênesis, lembrando-se de ter sempre em mente a visão dos povos da época com relação à Terra e o “universo aquático” e bastante atenção aos detalhes.

"No princípio criou Deus os céus e a terra. A terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo, mas o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas." [Gênesis 1:1-2]
"E disse Deus: haja um firmamento no MEIO das águas, e haja separação entre águas e águas. Fez, pois, Deus o firmamento, e separou as águas que estavam DEBAIXO do firmamento das que estavam POR CIMA do firmamento. E assim foi. Chamou Deus ao firmamento céu. E foi a tarde e a manhã, o dia segundo. E disse Deus: Ajuntem-se num só lugar as águas que estão DEBAIXO do céu, e apareça o elemento seco. E assim foi. Chamou Deus ao elemento seco terra, e ao ajuntamento das águas mares. E viu Deus que isso era bom." [Gênesis 1:6-10].

Ficou claro? Vamos esclarecer detalhadamente. Percebe-se que no Enuma Elish Marduk partiu o corpo de Tiamat, a deusa das águas, em dois. Com a parte superior ele construiu o arco dos céus, ou seja, seria analogicamente falando à tampa da pizza, a abóbada celeste que cobria a terra circular plana. Com a outra metade ele fez o círculo terrestre, fazendo uma sentinela para que as águas não transpassassem. No Gênesis, Deus criou o céu ou firmamento para separar as águas que estavam encima do céu das águas que estavam debaixo do céu, isso mesmo, lembre-se da visão do povo da época, a abóbada celeste foi criada como uma separação das águas, “haja separação entre águas e águas”. Lembre-se que Tiamat era a deusa das águas e no início só havia Apsu e Tiamat, os deuses das águas, enquanto que no Gênesis no princípio Deus pairava sobre a face das águas. Posteriormente Deus cria a parte de baixo: “Ajuntem-se num só lugar as águas que estão debaixo do céu, e apareça o elemento seco.”
 Em Provérbios também aparece este trecho: “Quando ele preparava os céus, aí estava eu; quando TRAÇAVA UM CÍRCULO sobre a face do abismo, quando ESTABELECIA O FIRMAMENTO EM CIMA, quando se firmavam as fontes do abismo, quando ele fixava ao mar o seu termo, para que AS ÁGUAS não traspassassem o seu mando, quando traçava os fundamentos da terra” Provérbios [8:22-29]. Consegue perceber? No Enuma Elish foi preciso “sentinelas” para que as águas não transpassassem e na bíblia era apenas uma ordem divina...  Enuma Elish: “e fez uma sentinela para as águas, de forma que estas jamais pudessem escapar” Bíblia: “quando ele fixava ao mar o seu termo, para que AS ÁGUAS não traspassassem o seu mando”.
Basta ler com bastante atenção, tendo sempre em mente como que os povos da época achavam que era a Terra, para perceber as semelhanças. Em outro trecho da bíblia, mais a frente, ainda percebe-se essa visão do “caos aquático” ou “universo aquático” na qual está inserida a Terra. Segue: "...pela palavra de Deus já desde a antiguidade existiram os céus, e a terra, QUE FOI TIRADA DA ÁGUA E NO MEIO DA ÁGUA SUBSISTE. " 2 Pedro [3:5-6].
Depois de toda essa comparação, fica claro que os Sumérios acreditavam que a terra teria sido criada no meio das águas, em uma forma circular plana e que o céu fecharia encima como uma abóbada. Essa cultura teria influenciado os Hebreus, que também deviam acreditar na mesma hipótese. No livro bíblico de Jó, inclusive, ao relatar os feitos de Deus, ele diz que a abóbada celeste seria como um espelho fundido, fazendo acreditar que o céu seria uma estrutura sólida por cima da terra. No livro de Eclesiastes também há uma passagem que diz que o sol nasce e se põe, correndo de volta para novamente nascer, ou seja, passando por baixo da terra circular plana.
Este site também demonstra claramente como os homens antigos tinham essa visão: http://www.webartigos.com/artigos/a-influencia-do-mito-cosmogonico-aquatico-nos-relatos-da-criacao-do-mundo-de-genesis-apontamentos-sobre-a-visao-cosmologica-dos-antigos-hebreus/14360/


A CRIAÇÃO DO HOMEM

A cultura dos sumérios foi tão influente na época, que os hebreus também aproveitaram a ideia da criação humana através do barro à imagem e semelhança de Deus (ou de deuses). Em alguns contos e poemas sumérios podem ser vistas abordagens da criação humana. Segue abaixo alguns trechos de parte do Atra-Hasis, outro de um poema Sumério e outro da Epopeia de Gilgamesh:
                            
"... que se degolasse um deus e todos os demais deuses se purificassem no banho de seu sangue. E que a sua carne e o seu sangue, Nintu (ou Mami), a deusa-mãe, misturasse um pouco de argila, de maneira a que deus e homem estivessem misturados, constituindo assim uma só carne e um só espírito."

“-Ó meu filho, levanta-te da cama, faz o que é sábio:
Modela servos de deuses, possam eles produzir os seus ‘duplos’ (?)
Ele responde-lhe:
"Ó minha mãe, a criatura cujo nome tu pronunciaste existe,
Ata-lhe à imagem dos deuses.    
Mistura o coração da argila que há sobre o abismo,
Os bons e magníficos modeladores hão-de amassar a argila,
Tu trarás os membros à existência”.

“A deusa então concebeu em sua mente uma imagem cuja
essência era a mesma de Anu, o deus do firmamento. Ela mergulhou as
mãos na água e tomou um pedaço de barro; ela o deixou cair na selva,
e assim foi criado o nobre Enkidu”.

Na próxima postagem...Parte 3...falarei em geral sobre os Hebreus...a hipótese da escrita e/ou mudança do início da bíblia tardiamente, durante o cativeiro babilônico e a cópia da história do nascimento de Moisés.  

segunda-feira, 4 de maio de 2015



        A princípio abordarei um tema bastante polêmico, pois envolve religião, mostrando como algumas descobertas arqueológicas demonstram que a escrita da bíblia sofreu uma forte influência de outros mitos e cultura de povos mais antigos. 

A INFLUÊNCIA DA CULTURA SUMÉRIA NA ESCRITA DA BÍBLIA (PARTE 1)

 INTRODUÇÃO


         No decorrer deste tema veremos como a cultura do antigo povo sumério serviu de forte influência na escrita da bíblia. O povo sumério foi pioneiro na escrita e na fundação das primeiras cidades da humanidade. O tema é bastante polêmico, tendo em vista que envolve a fé de muitas pessoas e talvez por isso não seja amplamente divulgado, apesar de existir diversos trabalhos com relação a este tema. Antes de adentrarmos na parte mitológica e cultural da Suméria, voltaremos um pouco mais no tempo para entendermos em qual contexto a humanidade estava inserida na época.

SEDENTARISMO

           Por volta de 8.000 anos a.C a humanidade estava passando pela fase denominada de “sedentarismo”, quando alguns grupos de pessoas estavam abandonando a caça e coleta e estavam se especializando na agricultura e na domesticação de animais.
Os primeiros cultivos ocorreram no Norte da Mesopotâmia, onde foram criadas vilas como a de Beidha, Satal Hüyük, Jericó, entre outras, veja a localização na figura abaixo:


                            
                                        Norte da Mesopotâmia (Atual Síria e Turquia) 


          No aspecto religioso, diversas imagens e estatuetas eram confeccionadas para adoração aos deuses. Em Satal Hüyük, por exemplo, um terço das edificações serviam como um local para cerimônias ou  cultos, com pinturas de deusas-mãe dando luz a filhos bovinos e esculturas de cabeças de boi espalhadas pela sala. Os cultos religiosos nessa época provavelmente buscavam soluções divinas para as proliferações de doenças em decorrência do sedentarismo, no qual o acúmulo de pessoas em pequenos espaços começara ou então para agradecimentos por chuvas e colheitas. Na época de Satal Hüyük, o Javé bíblico dos hebreus nem sonhava ainda em existir.
Os ancestrais do povo sumério, que fundaram as primeiras cidades da humanidade e desenvolveram as primeiras escritas, provavelmente partiram de uma dessas vilas, migrando do Norte para o Sul da Mesopotâmia após o evento da grande enchente, “o dilúvio”, decorrente do degelo do último período da era glacial. Provavelmente a parte de terra ao leste do Mar Mediterrâneo deve ter sido totalmente tomada pela enchente, juntamente com a parte de terra ao sul do Mar Negro, atuais Síria e Turquia, fazendo com que os sobreviventes migrassem para o sul da Mesopotâmia, atual Iraque.





           A figura acima representa uma das vilas de Satal Hüyük. Reparando bem, o topo das casas funcionava como a via pública e os acessos se davam por escadas. A parte destacada em aberto era o local para cerimônias religiosas, onde ficavam as estatuetas e alguns desenhos. Na figura abaixo uma foto de uma das salas de cerimônias.






Na figura acima uma das pinturas que havia dentro da sala de cerimônias religiosas em Satal Hüyük.


            
          O DILÚVIO


          A história do dilúvio sempre foi muito divulgada, mas se engana quem pensa que essa história foi pioneira na bíblia. Milhares de anos antes de a bíblia ser escrita o conto do dilúvio já era recitado na Suméria, tendo se espalhado a história por toda região que já matinha comércio com as primeiras cidades do mundo.
             Em 1998 os geólogos William Ryan e Walter Pitman publicaram evidências do rompimento do Estreito de Bósforo por volta do ano 5600 a.C (ver figura abaixo). O Estreito de Bósforo hoje liga o Mar Negro ao Mar de Mármara (Norte da atual Turquia), mas antes do rompimento o Mar Negro era uma bacia de água doce, não havendo ligação com o Mar Mediterrâneo. Existem controvérsias com relação ao acontecimento, se foi no ano de 5.600 a.C ou 7.500 a.C, mas é evidente que a inundação aconteceu por conta do fim do último período de glaciação. Os sobreviventes então migraram do Norte da Mesopotâmia para o Sul da Mesopotâmia, próximo ao Golgo Pérsico, atual Iraque, entre os rios Tigres e Eufrates, e por lá se estabeleceram, fundaram as primeiras cidades e desenvolveram a escrita.


Norte da Mesopotâmia (Atual Turquia)
Sul da Mesopotâmia, Atual Iraque, acima do Golfo Pérsico

           A história do dilúvio foi passada a frente por gerações, no esquema "telefone sem fio", até ser finalmente eternizada em forma escrita. A origem da escrita se deu por volta do ano 3.500 a.C, ou seja, imagina uma história sendo contada por gerações de pessoas por todo esse tempo, (de 5.600 a.C até 3.500 a.C), seria óbvio que o escritor abusaria da conotação de feito heroico e abusaria de exageros, não que escapar de uma incrível enchente não seja um feito heroico, mas não nos aspectos fantasiosos da narrativa.
          Um dos primeiros escritos Sumérios referente ao dilúvio aparece na "Epopeia de Gilgamesh". Gilgamesh foi um rei da cidade de Uruk, uma das primeiras cidades do mundo localizada no sul da Mesopotâmia, próxima a primeira cidade de Eiridu, no litoral do Golfo Pérsico. Durante o conto, Gilgamesh vai em busca da imortalidade e descobre que um velho chamado Utnapishtim, o longínquo, recebeu de presente dos deuses a imortalidade. Gilgamesh vai então a procura de Utnapishtim para descobrir como o mesmo conseguiu tal feito, quando o velho então conta a história do dilúvio. Segue abaixo:

        “Naqueles dias a terra fervilhava, os homens multiplicavam-se e o mundo bramia como um touro selvagem. Este tumulto despertou o grande deus. Enlil ouviu o alvoroço e disse aos deuses reunidos em conselho: 'O alvoroço dos humanos é intolerável, e o sono já não é mais possível por causa da balbúrdia.' Os deuses então concordaram em exterminar a raça humana. Foi o que Enlil fez, mas Ea, por causa de sua promessa, me avisou num sonho. Ele denunciou a intenção dos deuses sussurrando para minha casa de colmo: 'Casa de colmo, casa de colmo! Parede, oh, parede da casa de colmo, escuta e reflete. Oh, homem de Shurrupak, filho de Ubara-Tutu, põe abaixo tua casa e constrói um barco. Abandona tuas posses e busca tua vida preservar; despreza os bens materiais e busca tua alma salvar. Põe abaixo tua casa, eu te digo, e constrói um barco. Eis as medidas da embarcação que deveras construir: que a boca extrema da nave tenha o mesmo tamanho que seu comprimento, que seu convés seja coberto, tal como a abóbada celeste cobre o abismo; leva então para o barco a semente de todas as criaturas vivas.'"Quando compreendi, eu disse ao meu senhor: 'Sereis testemunha de que honrarei e executarei aquilo que me ordenais, mas como explicarei às pessoas, à cidade, aos patriarcas?' Ea então abriu a boca e falou a mim, seu servo: 'Dize-lhes isto: Eu soube que Enlil está furioso comigo e já não ouso mais caminhar por seu território ou viver em sua cidade; partirei em direção ao golfo para morar com o meu senhor Ea. Mas sobre vós ele fará chover a abundância, a colheita farta, os peixes raros e as ariscas aves selvagens. A noite, o cavaleiro da tempestade vos trará uma torrente de trigo.' "Ao primeiro brilho da alvorada, toda a minha família se reuniu ao meu redor; as crianças trouxeram o piche e os homens todo o resto necessário. No quinto dia eu aprontei a quilha, montei a ossatura da embarcação e então instalei o tabuado. O barco tinha um acre de área e cada lado do convés media cento e vinte côvados, formando um quadrado. Construí abaixo mais seis conveses, num total de sete, e dividi cada um em nove compartimentos, colocando tabiques entre eles. Finquei cunhas onde elas eram necessárias, providenciei as zingas e armazenei suprimentos. Os carregadores trouxeram o óleo em cestas. Eu joguei piche, asfalto e óleo na fornalha. Mais óleo foi consumido na calafetagem, e mais ainda foi guardado no depósito pelo capitão da nave. Eu abati novilhos para a minha família e matava diariamente uma ovelha. Dei vinho aos carpinteiros do barco como se fosse água do rio, vinho verde, vinho tinto, vinho branco e óleo. Fez-se então um banquete como os que são preparados à época dos festejos do ano-novo; eu mesmo ungi minha cabeça. No sétimo dia, o barco ficou pronto. "Foi com muita dificuldade então que a embarcação foi lançada à água; o lastro do barco foi deslocado para cima e para baixo até a submersão de dois terços de seu corpo. Eu carreguei o interior da nave com tudo o que eu tinha de ouro e de coisas vivas: minha família, meus parentes, os animais do campo — os domesticados e os selvagens — e todos os artesãos. Eu os coloquei a bordo, pois o prazo dado por Shamash já havia se esgotado; e ele disse: 'Esta noite, quando o cavaleiro da tempestade enviar a chuva destruidora, entra no barco e te fecha lá dentro.' Era chegada a hora. Caiu a noite e o cavaleiro da tempestade mandou a chuva. Tudo estava pronto, a vedação e a calafetagem; eu então passei o timão para Puzur-Amurri, o timoneiro, deixando todo o barco e a navegação sob seus cuidados. "Ao primeiro brilho da alvorada chegou do horizonte uma nuvem negra, que era conduzida por Adad, o senhor da tempestade. Os trovões retumbavam de seu interior, e, na frente, por sobre as colinas e planícies, avançavam Shul-lat e Hanish, os arautos da tempestade. Surgiram então os deuses do abismo; Nergal destruiu as barragens que represavam as águas do inferno; Ninurta, o deus da guerra, pôs abaixo os diques; e os sete juizes do outro mundo, os Anunnaki, elevaram suas tochas, iluminando a terra com suas chamas lívidas. Um estupor de desespero subiu ao céu quando o deus da tempestade transformou o dia em noite, quando ele destruiu a terra como se despedaça um cálice. Por um dia inteiro o temporal grassou devastadoramente, acumulando fúria à medida que avançava e desabando torrencialmente sobre as pessoas como os fluxos e refluxos de uma batalha; um homem não conseguia ver seu irmão, nem podiam os povos serem vistos do céu. Até mesmo os deuses ficaram horrorizados com o dilúvio; eles fugiram para a parte mais alta do céu, o firmamento de Anu, onde se agacharam contra os muros e ficaram encolhidos como covardes. Foi então que Ishtar, a Rainha do Céu, de voz doce e suave, gritou como se estivesse em trabalho de parto: 'Ai de mim! Os dias de outrora estão virando pó, pois ordenei que se fizesse o mal; por que fui exigir esta maldade no conselho dos deuses? Eu impus as guerras para a destruição dos povos, mas acaso estes povos não pertencem a mim, pois fui eu quem os criou? Agora eles flutuam no oceano como ovas de peixe.' Os grandes deuses do céu e do inferno verteram lágrimas e se calaram. "Por seis dias e seis noites os ventos sopraram; enxurradas, inundações e torrentes assolaram o mundo; a tempestade e o dilúvio explodiam em fúria como dois exércitos em guerra. Na alvorada do sétimo dia o temporal vindo do sul amainou; os mares se acalmaram, o dilúvio serenou. Eu olhei a face do mundo e o silêncio imperava; toda a humanidade havia virado argila. A superfície do mar se estendia plana como um telhado. Eu abri uma janelinha e a luz bateu em meu rosto. Eu então me curvei, sentei e chorei. As lágrimas rolavam pois estávamos cercados por uma imensidade de água. Procurei em vão por um pedaço de terra. A quatorze léguas de distância, porém, surgiu uma montanha, e ali o barco encalhou. Na montanha de Nisir o barco ficou preso; ficou preso e não mais se moveu. No primeiro dia ele ficou preso; no segundo dia ficou preso em Nisir e não mais se moveu. Um terceiro e um quarto dia ele ficou preso na montanha e não se moveu. Um quinto e um sexto dia ele ficou preso na montanha. Na alvorada do sétimo dia eu soltei uma pomba e deixei que se fosse. Ela voou para longe, mas, não encontrando um lugar para pousar, retornou. Então soltei uma andorinha, que voou para longe; mas, não encontrando um lugar para pousar, retornou. Então soltei um corvo. A ave viu que as águas haviam abaixado; ela comeu, voou de um lado para o outro, grasnou e não mais voltou para o barco. Eu então abri todas as portas e janelas, expondo a nave aos quatro ventos. Preparei um sacrifício e derramei vinho sobre o topo da montanha em oferenda aos deuses. Coloquei quatorze caldeirões sobre seus suportes e juntei madeira, bambu, cedro e murta. Quando os deuses sentiram o doce cheiro que dali emanava, eles se juntaram como moscas sobre o sacrifício. Finalmente, então, Ishtar também apareceu; ela suspendeu seu colar com as jóias do céu, feito por Anu para lhe agradar. 'Oh, vós, deuses aqui presentes, pelo lápis-lazúli que circunda meu pescoço, eu me lembrarei destes dias como me lembro das jóias em minha garganta; não me esquecerei destes últimos dias. Que todos os deuses se reúnam em torno do sacrifício; todos, menos Enlil. Ele não se aproximará desta oferenda, pois sem refletir trouxe o dilúvio; ele entregou meu povo à destruição.' "Quando Enlil chegou e viu o barco, ele ficou furioso. Enlil se encheu de cólera contra o exército de deuses do céu. 'Alguns destes mortais escaparam? Ninguém deveria ter sobrevivido à destruição.' Então Ninurta, o deus das nascentes e dos canais, abriu a boca e disse ao guerreiro Enlil: 'E que deus pode tramar sem o consentimento de Ea? Somente Ea conhece todas as coisas.' Então Ea abriu a boca e falou para o guerreiro Enlil: 'Herói Enlil, o mais sábio dos deuses, como pudeste tão insensatamente provocar este dilúvio? Inflige ao pecador o seu pecado, Inflige ao transgressor a sua transgressão, Pune-o levemente quando ele escapar, Não exageres no castigo ou ele sucumbirá; Antes um leão houvesse devastado a raça humana Em vez do dilúvio, Antes um lobo houvesse devastado a raça humana Em vez do dilúvio, Antes a fome houvesse assolado o mundo em vez do dilúvio. Antes a peste houvesse assolado o mundo em vez do dilúvio. Não fui eu quem revelou o segredo dos deuses; o sábio soube dele através de um sonho. Agora reuni-vos em conselho e decidi sobre o que fazer com ele.' "Enlil então subiu no barco, pegou a mim e a minha mulher pela mão e nos fez entrar no barco e ajoelhar, um de cada lado, com ele no meio. E tocou nossas testas para abençoar-nos, dizendo: 'No passado, Utnapishtim era um homem mortal; doravante ele e sua mulher viverão longe, na foz dos rios.' Foi assim que os deuses me pegaram e me colocaram aqui para viver longe, na foz dos rios."
A semelhança com a narrativa bíblica é tamanha que é praticamente uma cópia, é visível a influência deste conto na criação da história de Noé. Muitos religiosos defendem que este conto é que teria sido baseado na história bíblica, mas Gilgamesh reinou sobre Uruk no ano 2.750 a.C. Para se ter uma ideia, Abrãao, segundo historiadores, teria nascido em 2.116 a.C, Moisés fugiria do Egito em meados do primeiro milênio antes de cristo e então escreveria o Gênesis, como defendem os religiosos ou talvez foi escrita ainda mais tarde, durante o cativeiro babilônico, por volta de 598 a.C, uma hipótese também bastante provável, a qual vou detalhar mais a frente em um tópico exclusivo para os Hebreus.
A Epopeia de Gilgamesh ainda deve ter sofrido influências de contos ainda mais antigos sobre o dilúvio, como o texto Acádio “ATRA-HASIS “ e o “Conto de Ziusudra”, este talvez o mais antigo. Embora o texto do Atra-Hasis que contém o dilúvio esteja muito deteriorado, o começo da narrativa também é semelhante, no qual conta a ira dos deuses com uma humanidade corrompida. Segue abaixo o princípio do conto:
“600 anos, menos do que 600, passaram;  E a Terra ficou tão ruidosa como touro enraivecido. O Anunnaki ficou inquieto com tal movimento, Enlil tinha de ouvir tal balbúrdia. Ele dirigiu-se então aos grandes deuses: - O clamor da humanidade tornou-se excessivo, Não consigo dormir por causa da balbúrdia. Dê a ordem para que o mal de suruppu aconteça!
Segue abaixo também o Conto de Ziusudra (as partes entre parênteses encontram-se deterioradas):
“Ziusudra, de pé ao seu lado, ouviu: "Eu vou falar palavras para você, tome cuidado das minhas palavras, preste atenção às minhas instruções. Uma grande inundação irá varrer toda a (.....) em todos os  (...) A decisão que a semente da humanidade será destruída foi feita. O veredito, a palavra da assembléia divina, não pode ser revogada. A ordem anunciada por AN e ENLIL não pode ser elidida... (aprox. 38 linhas em falta)...Todas as tempestades e vendavais atacaram juntos, e o dilúvio varreu a (...) Depois do dilúvio ter caído sobre a terra, e o grande barco ter sido sacudido pelos vendavais sobre as águas imensas, sete dias e sete noites, UTU, o deus sol saiu, iluminando o céu e a terra. Ziusudra fez uma abertura no enorme barco e o herói UTU entrou no enorme barco com seus raios. Ziusudra, o rei, prostrou-se diante de UTU. O rei ofereceu em sacrifício inúmeros bois e ovelhas...(aprox. 33 linhas em falta)...Eles fizeram você jurar pelo céu e pela terra, ... .... An e Enlil fizeram você jurar pelo céu e pela terra (...)Mais e mais animais desembarcaram na Terra. Ziusudra, o rei, prostrou-se diante de An e Enlil. An e Enlil trataram Ziusudra gentilmente  (....) lhe concederam a vida como um deus, deram a ele a vida eterna. Naquela época, por causa de preservar os animais e as sementes da humanidade, Ziusudra foi nomeado o rei em um país estrangeiro, na terra Dilmun, onde o sol nasce.”
Como vimos, todos os contos do dilúvio apresentam semelhanças entre os mesmos. Como os Sumérios foram os pioneiros na escrita, é lógico que foram os primeiros a escrever sobre o dilúvio ou sobre como a terra teria sido criada pelos deuses, como veremos mais a frente. Como a região da Suméria mais tarde tornou-se pólo comercial, até mesmo a mitologia grega foi influenciada pelos contos sumérios. O conto de Deucalião, por exemplo, é mais um que narra o dilúvio com as mesmas semelhanças, bem como há equivalências entre alguns deuses sumérios com outros da mitologia grega, como a deusa Inanna em “a Descida para Ereshkigal” semelhante ao mito de Perséfone. O comércio entre gregos e sumérios se dava pela travessia do mar mediterrâneo.
Fica evidente também que o povo da época procurava atribuir a deuses acontecimentos da natureza dos quais eles não tinham conhecimento, uma enorme enchente ou pragas eram castigos dos deuses aos humanos por conta de algum comportamento que eles julgavam ser errado. O pouco conhecimento também referente ao enorme tamanho do planeta terra os fazia pensar que o dilúvio teria sido por toda a terra. 



  Na figura acima a tábua IX da Epopeia de Gilgamesh.


 Em breve...  Parte 2... a qual abordará a origem do mundo e do homem, com a influência da visão cosmogônica antiga.